Ao Vasco tudo, ou nada?
- Gabriel Nunes
- 7 de jul.
- 30 min de leitura
Uma análise transparente e contextual da política do Vasco, visando ajudar os torcedores na formação de opiniões críticas diante das decisões do clube

O Vasco da Gama se tornou conhecido no século XX pela inclusão, respeito e igualdade, lemas progressistas e à frente do seu tempo. No entanto, aos poucos, o tradicionalismo e a rigidez às mudanças trazidas pelos ventos fizeram o clube ter uma sucessão de naufrágios.
Essa matéria é um dos milhares de pontos de vista sobre a política vascaína, mas ela possui como meio a transparência e análise honesta do que aconteceu com o clube, para atingir o objetivo de contribuir com a formação crítica do torcedor. Pois no futebol, nenhuma ação é tomada sem contexto.
A “terra-de-ninguém”

O quadro político associativo do Club de Regatas Vasco da Gama é conhecido por histórias, desde mortos voltando à vida para oficializar o apoio à Eurico Miranda, até interferências da justiça para invalidar o resultado de uma eleição.
Nele, predominam discussões, brigas e disputas por poder, onde, é claro, nunca se chega a um acordo sobre qualquer pauta que esteja em discussão.
Em função disso, o clube que um dia fora reconhecido pela inclusão, respeito e igualdade, entrava no século XXI fechado para as mudanças requisitadas pelo novo momento que o futebol vivia, em tons ditatoriais, com cortinas que cortavam as luzes para o que acontecia internamente.
Ao todo, existem mais grupos políticos do que jogadores registrados para representar o Vasco em uma temporada regular. O número é superior a cinquenta, mas são poucos os nomes que vão à ativa.
Desde a derrota de Eurico Miranda para Roberto Dinamite, em 2008, a torcida vascaína viu cinco figuras diferentes no cargo de presidente do clube. A começar pelo maior ídolo, Dinamite, que na sua gestão colocou o Vasco de volta à primeira divisão, com o título da Série B de 2009, conquistou o título da Copa do Brasil e alcançou a 2ª colocação no Campeonato Brasileiro, em 2011.
Chegou às quartas-de-finais da Copa Libertadores de 2012, mas, por problemas financeiros, viu o elenco que o garantiu sucesso nos anos anteriores desmanchar, o que culminou no segundo rebaixamento do clube, em 2013.
Em 2014, retorna ao clube, o cartola Eurico Miranda, que viu o terceiro descenso em menos de uma década, em 2015, mas que ao final da gestão monta a equipe que se classifica para a Libertadores, em 2017, a última vez que o cruz-maltino se classificaria para a competição.
Durante a campanha do Brasileirão daquele ano, aconteciam as eleições para a presidência do clube. Eurico buscava a reeleição, mas tinha um adversário da nova geração, Júlio Brant, da Sempre Vasco, segundo mais votado com aproximadamente 1.163 votos a menos que Eurico em 2014.
A Sempre Vasco, encabeçada por Brant, surge como manifestação de torcedores do clube, que visam manter os valores e tradições vascaínas, mas que abraçam os novos ventos trazidos pelo novo século.
Para o dia 7 de novembro de 2017, data marcada para eleição, a chapa amarela – como é conhecida – contava com a participação de Alexandre Campello, outrora integrante da equipe médica do clube nos anos anteriores, para o posto de vice-presidente da gestão de Júlio.
Brant venceu as eleições, favorecido pela exclusão da controversa “urna 7” — que foi alvo de contestação judicial por suspeitas de irregularidades. A decisão, no entanto, não encerrou a crise.
Após semanas de impasse e disputas nos tribunais, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou a recontagem dos votos com a validação da urna 7, o que alterou a configuração do Conselho Deliberativo e abriu espaço para uma nova votação indireta.
Para fins de matar a sua curiosidade, a urna 7 concentrou votos de sócios-torcedores que se associaram em massa no fim de 2015, gerando suspeitas de irregularidades como filiações coordenadas às vésperas do prazo, endereços repetidos, mensalidades pagas por terceiros e falta de transparência no processo. Esses indícios levaram à impugnação inicial da urna, revertida posteriormente pela Justiça, que considerou não haver provas suficientes para anular os votos.
Em 20 de janeiro de 2018, no pleito decisivo dentro do Conselho, um movimento inesperado mudou o rumo da eleição: Alexandre Campello, então vice na chapa de Brant, rompeu com o grupo e selou uma aliança com a base ligada a Eurico Miranda. Com o apoio dos euriquistas, Campello conquistou 154 votos contra 88 de Brant, assumindo a presidência do clube. Foi a última ação de Eurico Miranda como presidente do Vasco.

Sem tempo para respirar, naquele momento já começava a gestão Campello. De 2018 à 2020, não obteve resultados esportivos expressivos. No primeiro ano de mandato, um quase rebaixamento para a Série B, com a fuga confirmada após o apito final da última rodada, além dos vexames na Copa do Brasil (eliminação para o Bahia, 3x2 no agregado, sendo 3x0 para o tricolor de aço no jogo de ida), na Copa Libertadores, como direito à goleadas para Cruzeiro, em São Januário e Racing (ARG), em Avellaneda, e por último pela Copa Sul-Americana, em derrota para a LDU.
Sobre o ano de 2019, o ponto positivo da gestão Campello foi a adesão ao sócio-torcedor em massa da torcida vascaína, colocando o clube na quinta posição no ranking global de mais sócios, e em primeiro no Brasil. Porém, não houve legado para este movimento, haja vista que, em 2020, por efeitos da pandemia de Covid-19, o clube não pode contar com a presença de torcedores e viu a crise financeira se agravar.
O ano também marcou o quarto rebaixamento para a segunda divisão, além de mais polêmicas eleitorais no quadro político.
Dessa vez, o Vasco veria, pela primeira vez, os impactos das redes sociais na produção de conteúdos e engajamentos nas eleições. O advogado de direito marítimo, Luiz Roberto Leven Siano, até então pouco conhecido, usa a estratégia de atenção para ser reconhecido pela torcida.
Propostas como as três linhas de crédito que superavam o valor de R$1 bilhão, a suposta negociação com Balotelli e Yaya Touré e a parceria com o italiano Fábio Cordella manifestaram os primeiros sintomas da mistura entre revolta pelos anos anteriores e ânsia pela vontade de voltar a conquistar resultados expressivos de maneira imediata.
O projeto de comunicação do “Somamos” foi um verdadeiro sucesso. Leven passou a ser o candidato a ser batido em termos de relevância para o processo eleitoral. Atrás dele estavam, Jorge Salgado (Mais Vasco), Júlio Brant (Sempre Vasco) e Alexandre Campello. Portanto, quatro candidatos com potencial vitória e não apenas dois como era costumeiro nos dez anos anteriores.
É neste momento em que aparece pela primeira vez, de forma mais acentuada na política vascaína, Pedro Paulo de Oliveira, ou conhecido nos tempos de jogador, Pedrinho.
Pedrinho nessa altura – e não é uma brincadeira com a sua estatura – era comentarista do Grupo Globo de Comunicação havia um ano. Até a sua contratação pela emissora, ele passou pela equipe de comentaristas da Rede Bandeirantes, atuou como auxiliar técnico do Cruzeiro, em 2016, e do Tigres-RJ junto do colega Felipe, em 2017. Neste período, já manifestava apoio político à Sempre Vasco ao lado de Edmundo.
Apesar da restrição e obrigatoriedade de distanciamento social em virtude da pandemia, as eleições vascaínas ocorreram presencialmente e Pedrinho esteve presente em São Januário, com Felipe e Edmundo, para manifestar apoio ao então amigo e aliado Júlio Brant. Se tratou de um passo importante, em virtude da relevância que conquistara como comunicador no SporTV. Indiretamente, foi a forma que a Sempre Vasco conseguiu de equiparar em termos de relevância na comunicação eleitoral o projeto Somamos.
No fim das contas, outra polêmica acabou por ser protagonista nas eleições vascaínas. Apesar da participação de todos os candidatos, Mussa, então presidente do Conselho Deliberativo do Vasco, no fim do dia, consegue uma liminar que anulava o resultado final, que garantiu a vitória de Leven Siano. A eleição foi remarcada para o dia 15 de novembro, no formato híbrido, tanto presencial quanto on-line e teve apoio de todos os candidatos, com exceção de Siano, que optou pela decisão do boicote.
Por conta da relevância política e de estar, pelo menos nessa ocasião, no lado contrário do jogo político, Júlio Brant e a Sempre Vasco perde força, o que abriu caminho para a vitória de Jorge Salgado, que comandaria o clube para o triênio (2021-2023).

O contexto para o início da década de 2020 se desenhava da seguinte forma, Vasco na Série B do Campeonato Brasileiro e afogado pela falta de receitas – por conta de uma nova regra imposta pela CBF de não dar cotas de televisão nos valores da Série A para os times recém-rebaixados – e com a maior folha salarial entre os 20 times daquela edição.
Como resultado, a contratação de três treinadores diferentes (Marcelo Cabo, Lisca e Fernando Diniz), o crescimento da dívida e permanência na segunda divisão, com oficialização matemática após derrota por goleada para o Botafogo, em São Januário.
O agravo da crise financeira e pressão da torcida vascaína (vale ressaltar que nas listas de preferência, Salgado corria por fora, atrás de Leven Siano e Brant), fizeram com que, para o ano de 2022, a diretoria entendesse que não haveria solução para garantir a saúde financeira a não ser por uma mudança drástica na estrutura do clube. A SAF.
O Cabo das Tormentas, em pele de Boa Esperança
Em Brasília, meados de 2021, foi sancionada a Lei 14.193 que institui a Sociedade Anônima do Futebol (SAF).
As SAF´s são um modelo de gestão que permite que clubes de futebol se transformem em empresas, separando o futebol das atividades sociais do clube. Essa mudança buscava atrair investimentos, profissionalizar a gestão e renegociar dívidas.
O mundo empresarial no futebol não é novidade. Na primeira década deste século, o Brasil viu a ascensão de clubes patrocinados por empresários. Uma SAF informal, já que não havia leis que permitissem tal prática naquele tempo.
Clubes como Ipatinga, São Caetano e Grêmio Prudente (hoje, Barueri) são projetos bem-sucedidos no curto prazo, que conseguiram disputar a primeira divisão nacional. Há também o caso do São Caetano, que disputou a final do Brasileirão e da Copa Libertadores. Hoje, com a falta de aportes financeiros trazidos por empresários, eles fadaram ao esquecimento.
Nem tudo são flores. Em 2017, o Figueirense firmou contrato com a empresa Elephant para a gestão do futebol. Dois anos depois, após o crescimento de dívidas, atrasos no pagamento de salários e rebaixamento para a Série C, o clube catarinense conseguiu, na justiça, tirar o controle das mãos da empresa e rompeu o contrato.

Após a sanção desta lei, tanto Botafogo e Cruzeiro anunciaram que fariam transições para o modelo empresarial, em virtude de graves crises financeiras. Em 2022, o Botafogo fecha acordo de venda para o empresário norte-americano John Textor, e o Cruzeiro é vendido para Ronaldo Nazário, “O Fenômeno”, que já havia adquirido o Real Valladolid (ESP).
Diante do cenário de possibilitar respiro financeiro, o Vasco da Gama, sob gestão de Jorge Salgado, começou a trabalhar para fazer a transição do associativo para sociedade anônima e procurar investidores interessados, junto da consultoria KPMG, escritório que faria a investigação e procuração da ficha financeira, para garantir credibilidade da parte interessada, na negociação para venda de parte das ações.
Justo neste período surge a 777 Partners, empresa norte-americana comandada por Josh Wander e Steven Pasko, com sede em Miami, cujo trabalho era voltado para investimentos privados. A 777 possuía ações no cenário esportivo em equipes como Genoa (ITA), Melbourne Victory (AUS), Hertha Berlim (ALE) e por último, como sócio-minoritário, no Sevilla (ESP), o time com mais título da UEFA Europa League.
Junto dos americanos estava o Grupo City, de investimentos oriundos do fundo estatal dos Emirados Árabes Unidos, mas que garantiria ao cruz-maltino apenas o posto de 2º time na bolha esportiva, atrás do Manchester City (ING). Conforme dito por Jorge Salgado, em entrevista ao podcast “Futbolaço”, não era de interesse do Vasco ser subordinado à qualquer outro clube. No final daquele ano, o Bahia anunciou que havia fechado acordo com o Grupo City.
Com “caminho pavimentado” para Wander e Pasko e visitas frequentes dos dois ao Rio de Janeiro para acompanhar partidas do Vasco, no dia 7 de agosto de 2022, na Sede Náutica, os sócios vascaínos votaram a favor da venda de 70% das ações da Vasco da Gama SAF para a 777 Partners. Ficou acordado também que os 30% restantes estariam nas mãos do associativo.

Portanto, o Club de Regatas Vasco da Gama, com esta ação, foi repartido com a saída do futebol de campo (profissional masculino, feminino e categorias de base). O foguetório e a comemoração ao som das músicas de torcidas organizadas representaram o otimismo do vascaíno em relação ao novo momento.
Será importante relembrar certos aspectos desta negociação. O acesso do contrato era extremamente restrito, apenas membros do Conselho Fiscal e da Comissão Especial de Beneméritos do clube, bem como representantes da 777 Partners e do próprio Vasco tiveram acesso.
Dentre os principais nomes estavam Carlos Osório, Roberto Duque Estrada e Júlio Brant, que à época atuava como oposição de Salgado. Além disso, pouco antes da aprovação da proposta, a empresa norte-americana havia feito aportes financeiros ao clube para o pagamento de salários, dívidas de curto-prazo e contratações pontuais para o restante da Série B, o que foi de fundamental importância para o acesso conquistado no final daquele ano.
Se por um lado havia otimismo pela mudança, a chegada do tão aguardado “dinheiro” e gratidão pela volta à primeira divisão, o desespero para sair “da água para o vinho” cegou os vascaínos para problemáticas que cercavam a ficha criminal de Josh Wander e acusações de fraude realizadas pela 777 Partners.
Urubu #$%¨#@, a 777 “tem dinheiro” para #$%”

No final do ano de 2022, a nova gestão formada pela 777, capitaneada por Luiz Mello, nomeado como CEO da SAF vascaína e, portanto, representante legal do clube na bolha de clubes geridos pela empresa, empolgou a torcida com a contratação do jovem Maurício Barbieri, recém desligado do Bragantino, clube onde fez trabalho consistente, com um vice da Copa Sul-Americana para o Athletico-PR.
Além disso, especulações e participação ativa e imponente no mercado para contratação de jogadores, como foi o caso de Pedro Raul, vice-artilheiro do Campeonato Brasileiro de 2022 pelo Goiás, elevavam as expectativas para a temporada que viria à frente.
Além de Raul, o Vasco contratou também o meio-campista Jair – campeão brasileiro de 2021 pelo Atlético-MG, os goleiros Léo Jardim e Ivan, os laterais José Luis “Puma” Rodriguez e Lucas Piton, os zagueiros Robson, Manuel Capasso e Léo, o volante Patrick de Lucca, o retorno do cria da base Andrey Santos por empréstimo junto ao Chelsea e as vindas de Gabriel Carabajal e Rwan Cruz como parte do pacotão em negociação com o Santos, assim como o atacante Luca Orellano, que chegou com expectativa e status de ser uma das joias da nova geração do futebol argentin, que a título de comparação, surge no Vélez Sarsfield na mesma geração de Thiago Almada, que na época, em 2023, estava no Atlanta United (EUA).
Ao todo, foram gastos aproximadamente R$ 103,6 milhões para a montagem de um novo elenco para a temporada.
Os moldes das negociações eram baseados em um simples esquema. Todos os clubes de futebol possuem uma receita estabelecida para contratações da temporada para que não haja comprometimento no balanço financeiro ao final do ano. Mas como pagar por um atleta em um mercado tão superfaturado?
As conversas entre clubes para negociação de jogadores consiste em planos de pagamentos, ou seja, como uma parte irá arcar com custos, se de forma parcelada, à vista, ou com pagamento da multa rescisória. O esquema adotado pelo Vasco foi a da prática de parcelamentos, com o valor das parcelas adequado às variações dos juros. A estratégia viria a dar problemas meses depois.
Apesar do gasto de mais de R$100 milhões, a equipe de Maurício Barbieri não performou. Parecia que a pressão para o elenco de baixa média de idade era demais. Eliminação na 2ª fase da Copa do Brasil para o ABC, do Rio Grande do Norte, em derrota na disputa por pênaltis, com erros de Pedro Raul e Luca Orellano. Além disso, o começo desastroso pelo Campeonato Brasileiro, com 1 vitória, 3 empates e 4 derrotas colocavam pressão sobre Barbieri, Paulo Bracks e Luiz Mello.
O clássico contra o Flamengo, o primeiro com a presença da SAF pela primeira divisão, marcava-se como o primeiro com suposta igualdade financeira entre os dois clubes, conforme proferida na bravata de Josh Wander, em 2022.
A desigualdade entre Flamengo e Vasco não era apenas financeira. Era de mentalidade, de organização, de trabalho. A ilusão do dinheiro que esconde as fragilidades de um projeto esportivo é o maior ensinamento que o futebol atual pode trazer.
O abismo entre os dois rivais se mostrou representado dentro de campo. Um sonoro 4 x 0 em plena primeira etapa. Apenas um time jogou. Se em algum momento existiu duas equipes dentro de campo, as duas eram flamenguistas, os titulares e os reservas que entraram no segundo tempo. Foi o primeiro revés moral da era 777.
A derrota escancarou diversos problemas: a falta de repertórios e projeção de melhora do trabalho de Barbieri, a necessidade por reforços, especificamente mais experientes e crise de gestão. A 777 havia usado dinheiro dos cofres vascaínos para o pagamento de empréstimos à empresas do setor de investimentos privados.
Além disso, notificações de transfer ban pelo Nacional (URU) em virtude dos descumprimentos do pagamento acordados na negociação para contratação de Puma Rodriguez geravam suspeita na torcida quanto a idoneidade de Josh Wander e Steven Pasko.
É neste período que começa a ser veiculado no Brasil uma matéria da Josimar Football que expunha denúncias de fraude fiscal e esquema de pirâmide que envolviam a 777 nos Estados Unidos, especialmente com a A-Cap, seguradora, cujo a matéria indicava, que comandava, de fato, as negociações em nome da 777. Tudo isso em meio às negociações para a compra do Everton (ING), clube que disputa a Premier League.
Em julho, sai de cena Luiz Mello, designado para outro cargo dentro da 777. Entra Lúcio Barbosa, profissional que nunca havia tido experiência no futebol, para CEO do clube; chega Ramón Díaz, Serginho, Paulinho Paula, Bruno Praxedes, Sebastián Ferreira, o francês Dimitri Payet e por último, e talvez a contratação menos badalada na época, Pablo Vegetti, atacante de 35 anos, vindo do Belgrano (ARG).
O resultado, uma recuperação heróica que culminou na fuga do rebaixamento, com a vitória sobre o Red Bull Bragantino, em São Januário. Tudo isso em meio à um novo processo eleitoral.
A ascensão de Pedrinho à presidência do Vasco
Apesar de não haver mais a importância da década anterior, as eleições para a presidência do Vasco trouxe ares de tensão, em virtude da passividade de Jorge Salgado aos problemas de gestão da 777 e urgência por fiscalização, em meio à uma série de denúncias contra o sócio-majoritário.
Outro tópico foi a necessidade de uma figura que representasse proximidade entre clube e torcida, um porta-voz para dar satisfações ao maior público consumidor de um clube de futebol, que são justamente os torcedores. “Um vascaíno para os vascaínos”.
Pela chapa branca, o Somamos anunciava o retorno de Leven Siano para as eleições, após 3 anos. Do outro lado, a Sempre Vasco batia a cabeça para a escolha do representante, entre Júlio Brant e Pedrinho. Qual nome seria mais eficiente para combater frente à frente a maior força do grupo adversário, que são as redes sociais.
Júlio Brant, ainda marcado pelos eventos de 2020, anunciou que não concorreria à presidência do clube e manifestou apoio ao companheiro amarelo, Pedrinho. O ex-jogador chegou a ser convidado pela gestão da 777 para participar de decisões sobre o futebol, após deixar a Globo, mas decidiu recusar em função do interesse por seguir na Sempre Vasco.
Um garoto criado debaixo das arquibancadas de São Januário, agora possuía a oportunidade de ser presidente do clube.
A escolha por Pedrinho foi certeira. A credibilidade desenvolvida nos tempos de comunicador do SporTV, com direito à prêmios populares de melhor comentarista, serviram de trunfo para superar a popularidade de Siano. Além disso, a vivência no ambiente interno do clube durante sua formação como atleta e respeito aos valores vascaínos foram lemas da campanha.
Mas neste ano, apesar da disputa acirrada entre os dois candidatos, ambos os projetos convergiam em ideias de união e reconstrução do clube, por meio da manutenção da Sociedade Anônima, ou seja, revisão dos termos contratuais e transparência com a torcida. Esse fenômeno – não entenda como ironia, e sim um comportamento eventual – esfriou tensões que estavam pré-dispostas por ser uma eleição vascaína.

A Sede Náutica do Vasco, no dia 11 de novembro de 2023, foi palco da confirmação do primeiro presidente vascaíno que não teria controle do futebol profissional. Na contagem total das urnas, Pedrinho venceu Leven Siano por 3.372 votos contra 1.844. O choro emocionado, pós-vitória, seguido de um abraço entre os dois adversários e cantos de “Casaca”, foi o maior símbolo de “vascainidade” política que o torcedor viu no espaço de 15 anos.

A “cortina de ferro” norte-americana
O termo “cortina de ferro” se refere à fala de Winston Churchill, ex-primeiro-ministro britânico, após o final da 2ª Guerra Mundial. Em termos simplistas para não aprofundar na história geopolítica internacional, baseava-se em uma grande barreira não-física da Europa Oriental, majoritariamente sob regime soviético, das influências ocidentais, em especial os Estados Unidos. Uma característica interessante dos governos comunistas eram as divulgações de informações do país pelos ditadores. Esse é o marco inicial da Guerra Fria.
No Vasco, bastante tempo após a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, portanto fim da Guerra Fria, existiam práticas similares enquanto Eurico Miranda esteve no comando. A política centralizadora do cartola durante os mandatos presidenciais contribuíram para o estigma de clube fechado para o Brasil, com as “cortinas fechadas” para o século XXI. Só saíam informações se Miranda quisesse, ou falasse.
A chegada da 777 ao Vasco da Gama alimentou para a torcida, e especialmente à imprensa, ares de transparência, profissionalismo e progresso, o que foi desiludido imediatamente depois de – apenas – uma temporada completa no comando. A pouca comunicação e a alta burocracia imposta pelos americanos sobre os funcionários vascaínos impôs a insegurança, ou em palavras mais informais, que os donos não se importavam com o produto que tinham em mãos. Uma “cortina de ferro” who speaks english.
A dificuldade de estabelecer contato não era novidade. Se fizermos um exercício e estabelecermos uma análise direta à uma figura que atuou exatamente conforme a política da empresa, será possível encontrar o exemplo que se encaixa perfeitamente nesses padrões. O ex-CEO Luiz Mello. Se o próprio rosto do clube não se comunicava, imagine os proprietários.
Ainda em 2023, Mello fora substituído por Lúcio Barbosa, que de forma interina assumia a função de CEO do clube, sem sequer ter tido experiência no futebol anteriormente. Barbosa estava na diretoria desde agosto de 2022, no cargo de CFO, diretor financeiro da SAF. Outro ponto que caía à seu favor era o fato de ser torcedor do Vasco, já que o antecessor teve o documento de sócio-torcedor do Flamengo revelado nas redes sociais.
Foi Lúcio que, após o término da temporada de 2023, realizou a demissão de Paulo Bracks, diretor de futebol da SAF, queimado pela má-campanha do Campeonato Brasileiro, apesar dos investimentos realizados. Na semana posterior, no 11 de dezembro, anunciou a contratação de Alexandre Mattos, após saída do Athletico-PR, e com 4 títulos brasileiros no currículo por Palmeiras (2016 e 2018) e Cruzeiro (2013 e 2014).
De personalidade forte durante a carreira, Mattos especializou-se no desenvolvimento dos departamentos de futebol nos times em que conquistou títulos. No Palmeiras, por exemplo, se destacou pela assertividade de contratações em longo prazo. O caso de mais sucesso foi o acerto com o zagueiro paraguaio Gustavo Gómez, junto ao Milan (ITA), para substituir Yerry Mina, de saída para o Barcelona (ESP).
Contudo, a expectativa pelo começo do trabalho de Mattos, foi sucedida pelo receio da relação que um profissional de personalidade forte, como a dele, com a 777. No dia 26 de dezembro, em entrevista para a ESPN, Paulo Bracks comentou que o maior problema de sua gestão como diretor de futebol, foi a falta de transparência e burocracia no processo de contratação de atletas, que dependia da aprovação dos superiores.
Ele alertou também sobre os R$ 100 milhões gastos em transferências, ao dizer: “Não é essa fortuna toda que algumas pessoas fora do mercado do futebol acham. R$ 100 milhões foi o que o rival pagou em um só jogador! Um! Como dizer que R$ 100 milhões para iniciar a montagem de um time totalmente novo é muito? Não é.”
Apesar dos sinais, o trabalho de Paulo Bracks foi fraco. Futebol no fim das contas é movido pelo resultado dentro de campo, que não vieram sob seu comando. É verdade que a herança persiste até hoje, com 4 jogadores contratados por ele no time titular de 2025.
Enfim chega o ano de 2024 e o início da primeira janela de transferências de Alexandre Mattos pelo Vasco da Gama. A primeira contratação foi o zagueiro João Vitor, ex-Benfica, pela bagatela de R$ 32 milhões de reais, contestado pelo valor inflacionado. Depois dele vieram, Victor Luís e Keiller para compor o banco de reservas, Robert Rojas à pedido de Ramón Diaz, Juan Sforza e Pablo Galdames para suprir as lesões de Jair e Paulinho Paula, e os atacantes Adson, David – por empréstimo – e Clayton Silva. Ao todo, R$ 106 milhões gastos.
Apesar do número de atletas contratados, a chegada deles aconteceu de maneira desordenada e com extensos intervalos de tempo entre elas. A demora na negociação dos atletas resultou na criação de rusgas na relação entre Ramón Diaz e o filho Emiliano com Alexandre Mattos, especialmente em um evento específico, a negociação por André Silva, atualmente no São Paulo, mas na época, jogador do Vitória de Guimarães (POR).
Conforme o jornalista Lucas Pedrosa (SBT e CazéTV), a escolha por André Silva, pela comissão técnica, divergia dos interesses do diretor de futebol, que visava a contratação de Breno Lopes, então jogador do Palmeiras. Emiliano Diaz chegou a alinhar valores com o Vitória de Guimarães, no entanto Mattos acabou por não enviar a sugestão para os superiores da 777, o que permitiu a perda do atleta para o São Paulo, que atravessou a negociação. O comportamento resultou em quebra de confiança e distanciamento.
Além disso, o isolamento completo de Alexandre Mattos no Vasco da Gama se deu por declarações públicas, ao criticar o comportamento burocrático e demorado da 777 Partners na política de contratação de jogadores. Apesar da crise interna, o clube conseguiu se classificar para a terceira fase da Copa do Brasil e as semifinais do Campeonato Carioca, mas perdeu para o Nova Iguaçu, em pleno Maracanã lotado.
A gota d´água se deu por uma confusão com o jornalista Lucas Pedrosa. O contexto foi o vazamento de troca de mensagens por Whatsapp, cujo prints continham informações de relações internas da diretoria vascaína. Pedrosa sofreu diversos ataques e difamações por meio das redes sociais de forma injusta, visto que o responsável pelo compartilhamento desses prints foi Alexandre Mattos, com intuito de se defender de críticas ao trabalho realizado. No dia 21 de março, o clube comunicou a demissão do diretor de futebol.
Somado aos problemas dentro de campo, a relação entre o associativo e 777, que antes, na gestão de Jorge Salgado era vista como positiva, passou a se tornar sombria e caótica com a diretoria liderada por Pedrinho.
Para bom entendedor, o silêncio já basta

Desde a vitória eleitoral, confirmada em novembro de 2023, Pedrinho buscou adotar o discurso de proatividade na relação com a 777 Partners. Seja na fiscalização quanto aos meios para serem cumpridos no contrato da SAF – como por exemplo a reforma e desenvolvimento do Centro de Treinamento Moacyr Barbosa – seja os resultados dentro de campo.
Inicialmente, as conversas entre os sócios foram produtivas. A proximidade entre Lúcio Barbosa e Pedrinho era chave para que informações fossem trocadas e demandas fossem exigidas. Contudo, no início de 2024, o associativo viu essa relação se esfriar e, portanto, cada vez mais se distanciar até se tornar totalmente inexistente.
Durante a reunião do Conselho Administrativo da SAF, realizada virtualmente, no dia 23 de fevereiro, Pedrinho e o 1º vice-presidente Geral, Paulo Salomão, estiveram presentes, mas não participaram das discussões. Nessa ocasião, o presidente apontou a futilidade das pautas e solicitou um encontro presencial antes de se retirar da chamada. Josh Wander não esteve presente.
No dia 27 de março de 2024, Pedrinho concede entrevista coletiva em São Januário para responder perguntas sobre o convívio com a 777 em 3 meses de mandato como presidente da parte associativa do Vasco da Gama. Em quase uma hora e meia de duração, foram proferidas nove vezes frases como: “Eu não posso falar.”, “Eu não sei se posso falar”.
O motivo dessas respostas, que viralizaram nas redes sociais, foi justificar cláusulas de confidencialidade previstas no contrato da SAF, que impediam o sócio minoritário, no caso o associativo, de expor assuntos internos como as discordâncias em decisões tomadas pelos gestores da diretoria do Vasco SAF, como por exemplo, termos de contrato não poderiam ser divulgadas.
O fato é que, o “silêncio” de Pedrinho nessa coletiva, na verdade, dizia bastante coisa. A partir desse momento, ele passou a ser cada vez mais incisivo em busca de satisfações.
Depois de muita insistência, o Vasco associativo faz pela primeira vez, depois da troca de gestão, uma reunião presencial com Josh Wander, no Rio de Janeiro. Felipe Carregal, vice-presidente jurídico, detalhou ao podcast “Expresso KTO 1923” que a conversa não havia sido produtiva, especialmente pela postura de Josh Wander praticamente não participou das discussões, praticamente o tempo inteiro no celular.
Naquele momento haviam suspeitas quanto ao poder de decisão que Josh possuía naquele momento. As acusação de grave crimes financeiros e dívidas com a A-Cap fez surgir mais inconsistências sobre quem realmente mandava na 777 Partners, ou se ela ainda existia.
A Josimar Football publicou uma reportagem em maio, onde informa que Josh Wander e Steven Pasko haviam sido afastados do conselho de futebol da holding, o que por si só, faria o associativo realizar uma notificação. Somado à isso, a revista inglesa Financial Times divulga a notícia de a empresa 777 havia contratado uma empresa especializada em gestão de crise e falências, o que não garantiria o aporte financeiro previsto para setembro.
Os aportes financeiros previstos por contrato, são quantias enviadas por investidores ao produto que adquiriram para fins de investimento, ou seja, desenvolver uma empresa para aumentar o seu valor de mercado futuramente. No caso da 777, o que havia sido acordado seria o valor de R$ 700 milhões no período de 3 anos.
Em 2023 a empresa norte-americana atrasou um dos pagamento do aporte. Inclusive, foi a primeira notificação vascaína sobre descumprimento de acordo. Mas neste caso, se tratava de falência e um risco iminente de se transformar em “massa falida”. Não haviam garantias para o aporte de R$ 270 milhões previstos para setembro de 2024.
Na Bélgica, o tradicional Standard Liège, sofreu com apreensão cautelar dos ativos da 777 concedida pela justiça belga. Ou seja, por falta de pagamentos, o clube paralisou. Com medo de sofrer as mesmas consequências, o Vasco, na semana do clássico contra o Flamengo, decide entrar na Justiça com pedido de liminar que afastasse a 777 do comando da SAF, que foi concedida pela 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.
A goleada sofrida por 6 x 1 do Flamengo, por incrível que pareça, foi o menor dos problemas em comparação com o que viria a seguir.
É preciso dar um jeito, meu amigo

A justificativa do associativo para o pedido da liminar, foi de proteção ao clube de um colapso financeiro como ocorreu dias antes com o Standard Liège. Pedrinho confirmou, também, o desejo em manter o modelo SAF no Vasco da Gama, porém com outro investidor.
A 777 publicou uma nota em tom de crítica à decisão da Justiça, ao dizer que se tratava de “uma aberração jurídica”, o que, de fato, foi acatado inicialmente pela opinião pública em função das baixa quantidade de informações disponíveis. Além disso, manifestou que entraria na Justiça para pedir anulação.
O fato é que, na Constituição se garante, primeiramente, que qualquer decisão ou troca de comando de um sócio – especialmente o majoritário que tem controle da empresa – sem o aviso prévio ao outro, configura-se como prática de gestão temerária, o que coloca em risco a possibilidade de prejuízos. Foi baseado neste ponto que o associativo conseguiu a concessão da liminar.
Os norte-americanos tiveram o pedido de anulação imediata recusado pela Justiça. Na prática, a ausência de um representante legal da empresa e a desorganização estrutural foram fundamentais para o mantimento desta decisão e para garantir o otimismo do associativo para o julgamento – sem data marcada – que definiria o comando, sem possibilidade de recorrência para ambas as partes.
No dia 17 de maio, o Vasco recebeu uma notificação da seguradora KPMG por dívidas não-pagas pela consultoria realizada na venda da SAF, em 2022. O valor é R$ 5, 1 milhões de reais. Além disso, o clube precisou passar um laudo contábil-econômico para Justiça, para investigação das operações financeiras da SAF.
Sem o aporte financeiro, havia o receio de que o Vasco terminaria o ano com as contas no vermelho, pensamento imediatamente rechaçado pelo presidente Pedrinho, que garantiu que o clube pagaria todos os salários dos jogadores rigorosamente em dia. Até o momento, a política continua. Outro ponto foi a transparência desde o início do processo com os jogadores. Pedrinho fez questão de tranquilizar a situação e, portanto, garantiu a confiança do grupo de atletas até o fim da temporada.
Se por um lado não teriam as dívidas com o elenco, do outro as dívidas de curto-prazo, não atacadas pela 777, conforme previsto em contrato, sufocavam as finanças do clube, que se viu sem margem para erros de planejamento para o restante do ano. Além, é claro, da necessidade de resultados imediatos em copas para garantir a receita por meio das premiações recebidas por avanços de fase.
Além das dívidas, o presidente precisava lidar, também, com lacunas deixadas em aberto por saídas na diretoria. Lúcio Barbosa, então CEO e Kátia dos Santos, CFO, entregaram seus cargos no início de junho. A motivação teria sido a interferência do associativo por meio da liminar, comprometimento à governança da sociedade anônima e vazamento de informações da saúde financeira do clube.
No departamento de futebol, Pedro Martins, escolhido por Lúcio após saída de Alexandre Mattos, se desligou do cargo de diretor de futebol. Pedrinho ainda precisou demitir o treinador Álvaro Pacheco – contratado para substituir Ramón Diaz, após a goleada sofrida para o Criciúma em São Januário –, em função dos maus resultados em campo e falta de perspectiva de melhora no curto prazo, em uma das mudanças propostas pelo presidente após a liminar.
O Vasco contratou, portanto, Carlos Amodeo – ex-Coritiba, especializado em gestão de recuperação financeira –, para CEO; Raphael Vianna – ex-Cruzeiro foi eleito, em 2022, o melhor executivo financeiro de clubes, para CFO. No departamento de futebol, chegaram Marcelo Sant´anna – ex-presidente do Bahia, e diretor de futebol do América-RN –, para a função deixada por Pedro Martins; Felipe assume função de diretor técnico e Rafael Paiva, interino permanente do clube, recebeu respaldo da diretoria para continuar o trabalho.
Dentro das 4 linhas, na janela de julho, o clube conseguiu oficializar o retorno de Philippe Coutinho, junto ao Aston Villa (ING), por empréstimo. Junto à ele, Souza e Alex Teixeira também voltaram. Os três toparam reduzir significativamente os salários para se juntarem ao Vasco. Outras contratações foram, o suíço Maxime Domínguez e o chileno Jean David. No entanto, a falta de contratação de um zagueiro foi motivo de críticas até o fim da temporada.

Coincidentemente, este foi o momento em que o clube emplacou uma sequência de resultados positivos pelo Brasileirão e pela Copa do Brasil. Pedrinho ganhou prestígio e apoio da torcida vascaína pela boa fase dentro de campo.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, o vazamento de uma confissão por Josh Wander, que afirmava a transferência do controle dos ativos para a A-Cap, e que, portanto, não tomava mais as decisões da empresa, confirmou a notícia trazida pela Josimar Football. A partir deste fato, a diretoria tomou o caminho de estabelecer comunicação com a seguradora, o que deu espaço para a interrupção da arbitragem, mediada pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), por 90 dias.
A arbitragem da FGV entre Vasco contra a 777 Partners é um processo judicial, previsto no contrato entre o clube e a empresa, como mecanismo de resolução do conflito sobre o controle da Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Nesse caso, visto que a empresa norte-americana agora estava sob controle da seguradora A-Cap. As duas partes, tanto o clube, quanto a seguradora não chegaram a um acordo nesses três meses.
Diante do cenário instável, Pedrinho decide então, assumir uma postura de controle sobre o clube. Primeiro reajustar financeiramente, para depois pensar na revenda. Esta ação seria a maneira de corrigir os erros cometidos em 2022, quando o Vasco foi vendido com a mentalidade desesperada, e não cautelosa.
O time até o final deste ano conseguiu se estabilizar dentro de campo. Boas performances no meio da temporada, garantiram alívio vascaíno, sem lutar contra o rebaixamento. A 10ª colocação, apesar de uma sequência de resultados ruins no fim da era Paiva, demitido após 4 derrotas consecutivas, classificou o clube para a Copa Sul-Americana do ano seguinte.
Pela Copa do Brasil, uma campanha importante. O clube chegou às semifinais da competição, quando foi eliminado para o Atlético-MG. Porém, o progresso consagrou momentos de grandeza, que não eram vistos há anos, como na vitória por pênaltis contra o Athletico-PR, na Ligga Arena – na qual o Vasco ainda não venceu o clube paranaense desde a revitalização do estádio para a Copa do Mundo. – Ao todo, a participação garantiu aos cofres vascaínos R$ 22,8 milhões.
Apesar da campanha dentro de campo ter sido convincente, a gestão Pedrinho passou por crises esportivas. A falta de contratação de um zagueiro, contribuiu para a instabilidade do time dentro de campo. Ao todo, a zaga formada por Maicon, Léo e João Vitor foi responsável por 56 gols sofridos – apenas – no Campeonato Brasileiro, o que direcionou críticas ao diretor responsável pela janela de julho, Marcelo Sant´anna.
A demissão de Rafael Paiva também foi um ponto importante. Pois este foi o momento em que, pela primeira vez, a demora para tomada de decisões foi apontada pela mídia e torcida vascaína. Apesar das 4 derrotas consecutivas, o time já havia caído de rendimento há mais de 10 jogos. Também marcou a primeira vez que o diretor técnico Felipe assumia o clube como treinador interino.
É importante frisar também que o contexto do futebol no Rio de Janeiro implicava reações melancólicas da torcida vascaína. O Botafogo conquistou a Libertadores e o Campeonato Brasileiro, o Flamengo venceu a Copa do Brasil e o Fluminense – que também venceu a Libertadores, em 2023 – conseguiu fugir do rebaixamento com uma vitória sobre o Palmeiras.
Em um curto espaço de dois anos, rivais como o Fluminense e Botafogo – que esteve na segunda divisão, em 2021 – se juntavam ao Flamengo e Palmeiras para a disputa do Mundial de Clubes da Fifa, em 2025, com 32 clubes.
A agonia e desejo de voltar aos títulos e histórias que remetiam às glórias do passado martelavam a cabeça do torcedor vascaíno, que iria para a temporada seguinte com expectativas sobre a Sul-Americana.
O dilema entre sucesso imediato e trabalho à longo prazo
O ano de 2024 mal tinha terminado, e a primeira polêmica estava instaurada. Depois de negociar a contratação de Renato Gaúcho – e recuar por questões salariais –, o Vasco contratou Fábio Carille para ser o treinador da equipe.
A problemática não estava apenas no nome de Carille – vaiado pela torcida do Santos depois de conquistar o acesso à Série A, após sequência de resultados ruins. – e sim nas diferenças de estilo de jogos entre ele e Gaúcho, o que escancarou falta de critério na escolha de um novo treinador, sobre o futebol que o clube gostaria de ter para o ano seguinte.
No entanto, Fábio Carille fazia sentido para o contexto vascaíno. Além de ser financeiramente viável, pesavam seus trabalhos com características defensivas notáveis. Como o planejamento esportivo do Vasco entendia que o setor ofensivo produzia antes das lesões de Adson e David, com o retorno dos atacantes, bastava apenas o reajuste e reforço defensivo.
O pensamento até fazia sentido no papel, mas em campo, esperar pelo retorno dos atacantes significa comprometer trabalhos, pela ausência de material humano.
Com o novo treinador, as primeiras contratações foram: o meio-campista – campeão brasileiro –Tchê Tchê, ex-Botafogo, como agente livre; os zagueiros Lucas Freitas, ex-Juventude e Lucas Oliveira, ex-Cruzeiro; e por último, o goleiro Daniel Fuzato, ex-Eibar.
Pelo Campeonato Carioca, o Vasco fez campanha suficiente para a classificação às semifinais. Mas a limitação ofensiva, gerada pela falta de reforços no setor ofensivo – com a chegada de Nuno Moreira, ex-Casa Pia (POR), Benjamín Garré, ex-Krylya Sovetov (RUS) e Loide Augusto, ex-Analysapor (TUR). – minaram o desempenho do time em partidas cruciais, como Flamengo, Fluminense e Volta Redonda.
É bem verdade, também, que já se mostravam sinais de decisões equivocadas por parte de Carille, mas amparadas pela demora nas contratações. A eliminação para o Flamengo nas semifinais do Carioca, expôs o comportamento desbalanceado da equipe, com os jogadores cansados ainda no primeiro tempo.
O peso da derrota voltou-se para a gestão Pedrinho. Que apesar da pressão, decide bancar o trabalho de Sant´anna e Fábio Carille – que sofria pressão injusta pela torcida, diante dos fatos apresentados – .
Inclusive, a relação entre torcida e Carille foi marcada por rejeição total desde o dia-zero. No entanto, performances ruins no Campeonato Brasileiro e Copa Sul-Americana, somadas às coletivas ruins do treinador, que sofria de ampla dificuldade de comunicação, foram a gota d 'água.
Com a corda no pescoço, após a partida contra o Ceará, pela 4ª rodada, de acordo com Pedrinho, o trabalho do treinador passou a ser avaliado. A demissão veio já na 6ª rodada, depois de derrota para o Cruzeiro, que marcava o 4º jogo consecutivo sem vitória do cruzmaltino. Para substituí-lo, Felipe retornava à função de comandante à beira do campo até a contratação de um novo treinador.

O período entre o dia 27 de abril e 10 de maio foi um inferno para o vascaíno. 1 empate e 3 derrotas, com direito à goleada sofrida para o Puerto Cabello (VEN), que quase colocou em xeque a classificação do Vasco na Sul-Americana. A pressão que antes estava em Carille, voltava diretamente para Marcelo Sant´anna, como se fosse uma última barricada de proteção de Pedrinho.
Enquanto dentro de campo o futebol desmoronava, fora dele, mais polêmicas. No final de 2024, ventilava na imprensa que, o bilionário grego Evangelos Marinakis, dono do Nottingham Forest (ING), demonstrava interesse em adquirir o clube carioca, com conversas sigilosas e trocas de documentos para o início da fase de due diligence.
No mundo empresarial, o due diligence é um procedimento que consiste na análise e levantamento preciso sobre o histórico de um parceiro de negócio, ou cliente. No caso do Vasco, a troca de documentos com Marinakis significava exatamente tanto o grego, quanto o clube obter os respectivos históricos antes de passar para a fase de negociação com propostas contratuais.
Neste período, veículos de mídia, especialmente canais de Youtube sobre Vasco da Gama, veiculavam notícias de que o dono do Nottingham Forest já teria formalizado uma proposta de compra ao clube. As informações foram negadas de forma veemente por Pedrinho.
Em janeiro de 2025, o Nottingham Forest se postulava como candidato à classificação para a Liga dos Campeões da Europa, pela Premier League. É neste mês que se realiza a janela de transferências de inverno no continente. A partir disso, o foco do grego passou exclusivamente pela manutenção da equipe inglesa para a continuação da temporada.
Portanto, a ausência de informações sobre avanço nas negociações criaram cenário de apreensão na torcida vascaína, que passou a suspeitar sobre as intenções do presidente Pedrinho na pauta de venda da SAF. Isto foi reforçado, especialmente, após o rompimento com Júlio Brant.
Ao retornar para novembro de 2024, em coletiva de imprensa que durou 2 horas e 29 minutos, Pedrinho resolveu se manifestar sobre temas relacionados ao futuro da SAF. Em uma das pautas abordadas, ele anunciou que a gestão havia criado uma comissão de investigação sobre os termos acordados envolvidos no contrato com a 777. O nome de Júlio, ex-aliado político, foi referido como um dos indivíduos que deveriam “prestar contas”.
Brant renunciou ao Conselho Deliberativo apenas em março do ano seguinte, mas o esfriamento das relações com Pedrinho o transformaram como um dos principais opositores da atual gestão, que questionam a honestidade das declarações dadas pelo presidente.
Com o esfriamento das negociações com Marinakis, falta de resultados dentro de campo e diminuição do aparecimento de Pedrinho para dar satisfações abriram brecha para que influenciadores e mídias aproveitassem a oportunidade de capitalizar em cima do sensacionalismo, especialmente nas redes sociais.
Além disso, até mesmo manifestações populares como “#RevendaJá!”, posicionamentos que surgiram em meio à informações de que pares da gestão de Pedrinho sugeriam que se mantivesse o modelo da SAF nas mãos do associativo, foram utilizados como arma política. Haja vista que as próximas eleições acontecem já no ano que vem.
O problema na comunicação da gestão atual permitiu o desenvolvimento de ideologias que estão fora da realidade futebolística no século XXI, na torcida vascaína. Tal problemática, favorece o esquecimento de eventos recentes e permite a proliferação de desinformação.
A panela de pressão passa a despressurizar começa no futebol. Com a demissão de Marcelo Sant´anna e a contratação de Fernando Diniz, para substituir Fábio Carille, o time começa a apresentar evolução dentro de campo. A retomada de confiança dos atletas e as classificações na Copa do Brasil e Sul-Americana trouxeram “paz” para o dia-a-dia de trabalho da diretoria.
No final do mês de maio, uma vitória imponente reafirmou a credibilidade quanto à situação da disputa entre Vasco e 777. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro julgou favorável, por unanimidade, a liminar concedida pela 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, que colocou o poder da SAF nas “mãos” do associativo.
Hoje, dia 29 de junho de 2025, a empresa norte-americana já não existe mais. As ações que possuíam em outros clubes ao redor do clube, ou já foram negociadas, ou estão em fase de negociação. Enquanto isso, o VP Jurídico do Vasco, Felipe Carregal declarou que existem conversas avançadas para venda com investidores, mas sem proposta formalizada.

O futuro vascaíno ainda segue sendo escrito. Como vocês puderam ver, o Vasco entrou em uma espiral de fracassos. Fracassos de gestão e de resultados esportivos. Esse ciclo vicioso, permitiu com que o pessimismo reinasse na torcida, nos jogadores e dirigentes que passaram pelo clube.
Aos políticos que um dia já passaram pelo clube, e aos que ainda estão, a mensagem que vocês passam para nós, torcedores, é de que o importante é apontar o dedo pelos erros do passado para o presidente anterior. Criar narrativas que justifiquem decisões erradas do presente, utilizando o passado como gatilho. Nunca se responsabilizando totalmente por equívocos.
De nada adianta mudar o capitão, quando o navio possui problemas estruturais. A embarcação estará sujeita ao fracasso de qualquer maneira.
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